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     18/05/2024            
 
 
    

Estávamos participando do XIV Congresso de Mandioca, em Maceio, realizado no período de 16 a 19 de novembro de 2011. Apresentamos na forma de poster, o artigo Parcagem: sustentabilidade agroecológica praticada pelos mandiocultores de Tracuatéua-Pará. Visualizamos ao fundo do salão um senhor de cabelos brancos lendo todos os artigos expostos no evento. Quando o mesmo teve contato com o nosso artigo, no instante que leu o termo “parcagem” entrou em delírio, com uma vibração exuberante, perguntando onde estavam os autores do trabalho. Nos identificamos e a partir de então passamos a conhecer aquele ilustre cidadão chamado Jayme de Cerqueira Gomes, pesquisador de fertilizadade do solo aposentado pela Embrapa Mandioca e Fruticultura.

Na verdade trata-se de um dos pesquisadores pioneiros que pesquisou a técnica da parcagem para fertilização do solo visando o cultivo de mandioca. A técnica da parcagem para a fertilização do solo com esterco consiste em confinar o gado para pernoites na área a ser cultivada pela mandioca por um período pré-determinado, em função do número de animais disponíveis na propriedade (ALVES et al, 2005).

Transcorridos cerca de 30 minutos de conversa Gomes relembrou um lado cômico que aconteceu com ele em 1980 por ocasião de um Congresso de Mandioca. Naquele evento ele apresentou seus resultados de pesquisa com parcagem (GOMES et al. 1983). O trabalho pioneiro do pesquisador chamou a atenção de todos que estavam na platéia e alguns participantes chegaram associar o termo parcagem a “bostejo” e também de “técnica do boi cagão”, num tom de gosação. Segundo o pesquisador a produtividade da mandioca decrescia após três anos de cultivo independente de ser adubada ou não e a idéia de se utilizar o confinamento de animais para fertilização do solo, surgiu de um agricultor que cultivava a mandioca nos currais onde os animais dormiam. Nesses cultivos a produtividade da mandioca se mantia bem acima da média da região, relatou Gomes. Atualmente, Gomes atua como Secretário de Agricultura do Município de Cruz das Almas, no estado da Bahia.

A maioria dos agricultores da Amazônia desconhece que a aplicação de esterco de curral no solo, adiciona alguns macros e micronutrientes e melhora a estrutura física, funcionando como condicionador para o aumento da Capacidade de Troca de Cátions,  retenção de umidade e estimulador da atividade microbiana no solo.

Enquanto isso, milhões de agricultores nas regiões mais populosas do mundo, utilizam o esterco de animais como um indispensável insumo agrícola. No Vietnã e no Sul da China, muitos fazendeiros aplicam de 5 a 10 toneladas de esterco de porco por hectare. Na Indonésia os agricultores aplicam 9 toneladas de esterco de gado por hectare. Em Cauca, uma província da Colômbia os produtores aplicam de 4 a 5 toneladas de esterco de aves (HOWELER, 2002). Ressalta-se a importância desse método no continente africano, largamente utilizado por pequenos agricultores para obtenção de alimentos, especialmente na Nigéria e exaustivamente estudado por pesquisadores, cujos artigos são publicados no idioma francês tendo como referência o termo “parcage”.

Estercos de animais tendem a ter baixo conteúdo de nutrientes (menos de 10% em compostos fertilizantes), mas contem Ca, Mg, S e alguns micronutrientes não encontrados nos fertilizantes químicos (HOWELER, 1982). A passagem da biomassa pelo trato gastrointestinal dos ruminantes promove a fragmentação e decomposição parcial da matéria orgânica, que aplicados ao solo permite a liberação gradativa de nutrientes para as culturas (POWELL et al., 1994). O processo de parcagem com a deposição na superfície do solo de fezes e urina ricos em nitrogênio e potássio contribui para neutralizar a acidez do solo (STILWELL & WOODMANSEE, 1981; SOMDA et al., 1997), mais uma parte importante do nitrogênio da urina é perdido por lixiviação ou volatilização (STILWELL & WOODMANSEE, 1981; RUSSELLE, 1992).

SILVA (1980) relata boas respostas a aplicação de 6 a 15 toneladas de esterco de gado para produção de mandioca no Rio Grande do Norte, porém níveis mais elevados reduzem os rendimentos.

Na Bahia, GOMES et al. (1983) obteve altos rendimentos com a cultura da mandioca (38,6 t de raízes/ha) utilizando o sistema de parcagem. Ele calculou que 30 animais confinados em uma área de um hectare por 60 noites, produzem cerca de 8 toneladas de esterco seco, contendo 40 kg por hectare de nitrogênio.

Segundo COSTA (1986), a produção de esterco fresco de gado por cabeça pode ser calculada na quantidade de 32 kg/dia. O mesmo autor indica os teores médios de 0,23% de P2O5 encontrados na composição do esterco fresco.

No Amapá, os pequenos produtores da Região dos Lagos no nordeste do Estado, também utilizavam o método da parcagem para plantio de feijão, de fumo e formação de pequenas capineiras para desmame de bezerros.
No Estado do Pará, muitos agricultores já utilizaram no passado o método da parcagem na fertilização de solos, principalmente na zona Bragantina, para a produção de fumo, desde a época colonial (PENTEADO, 1967). Nesta região o método se iniciava em janeiro, quando o gado era trazido todas as tardes para os currais móveis onde eram efetuados os plantios. O gado permanecia preso até o mês de maio e em junho era realizada a “viração da terra”. O tempo gasto para revolver uma tarefa (55m x 55m) estrumada, variava de acordo com o tipo de solo e principalmente, com o uso ou não do arado. Em média uma tarefa revolvida com auxílio de arado atrelado a dois animais, correspondia a uma diária de dois trabalhadores. Para execução do mesmo procedimento feito com auxílio de enxadas era necessário de 15 a 20 homens para um dia de trabalho (SILVEIRA, 1979).
Em Tracuateua, pequeno município desmembrado de Bragança, remanescente da mais antiga área de colonização do Estado do Pará, os agricultores familiares, especificamente da região dos lagos,  destacam-se pela adoção da parcagem como prática associada ao sistema de integração lavoura/pecuária. De acordo com ALVES & MODESTO JÚNIOR (2011) e MODESTO JÚNIOR et al. (2011) o processo de parcagem adotado pelos agricultores de Tracuateua consiste em recolher o gado para pernoite nos currais formados por pequenas cercas móveis geralmente em número de oito denominadas de “caixinhas” dentro da área de cultivo, a fim de evitar que o rebanho se concentre em um só local. Como se pode observar na Tabela 1, não há uma uniformidade entre o número de animais confinados, o período de duração da parcagem e a área fertilizada pelos agricultores, o que pode concorrer para uma adubação restritiva ou excessiva de esterco, implicando em diferentes produtividades de mandioca.
 
Os solos podem ser fertilizados durante todo o ano, dependendo da disponibilidade de área a ser cultivada e da mão-de-obra. A partir do mês de maio essas áreas são submetidas à “viração” com o preparo de leiras usando enxadas, seguida do plantio da mandioca consorciada com fumo ou feijão caupi. Os solos predominantes da região dos lagos são do tipo Gleissolo Háplico e por serem mal drenados e de textura muito argilosa e siltosa, apresentam limitações de uso agrícola quanto a à deficiência de oxigênio, risco de inundação e impedimento de mecanização. Por estes motivos que grande parte dos agricultores familiares preparam suas áreas em leiras, principalmente nas cotas mais baixas para evitar o encharcamento e podridão da raiz da mandioca por anoxia.

Os agricultores não efetuam o plantio no período de janeiro a abril devido à ocorrência de fortes chuvas, que poderão resultar na destruição das leiras ou na podridão das raízes de mandioca por anoxia. A produtividade média de mandioca dos agricultores variou de 21,89 a 28,08 toneladas de raízes por hectare, em de função do uso de diferentes cultivares, umas de época de colheita tardias e outras precoces, bem como da não uniformidade do número de plantas por área e da falta de seleção do material de plantio (Tabela 1). Ressalta-se a ausência de podridão radicular em todos os roçados prospectados, permitindo-nos inferir que o controle da podridão radicular depende de um bom preparo de solo quanto à drenagem e fertilização.

O tabaco é a principal cultura consorciada com a mandioca visando o mercado. O tabaco tem um número de plantas por hectare equivalentes ao da mandioca. A produtividade média do tabaco entre os agricultores familiares de Traquateua é de 75 arrobas por hectare.

Tabela 1. Produtividade de mandioca de agricultores familiares de Tracuateua, Pará, que cultivam a mandioca em fileiras simples sobre as leiras (média de quatro repetições).

 Importante ressaltar a importância da utilização do esterco de curral (parcagem) neste sistema de produção de mandioca, cuja rentabilidade paga um preparo de área relativamente caro (53,36% do custo de produção) com o preparo das leiras manualmente com uso de enxadas. O segundo item mais dispendioso do sistema é o da aquisição de mudas de tabaco, correspondendo a 14,89% do custo de produção (Tabela 2).

Tabela 2. Custo de produção de mandioca consorciada com tabaco em cultivo sobre leiras no sistema de parcagem como fertilização do solo em Tracuateua, Pará.

A margem bruta para a mandioca é de R$ 1.675,35 e a relação benefício/custo foi de 1,28 (para cada real aplicado retorna R$ 1,28). A margem bruta do tabaco foi de R$ 9.114,75 e a relação benefício/custo de 2,55. A margem bruta do consórcio foi de R$ 13.420,35 (Tabela 3). O cultivo de fumo em consórcio com mandioca tem restringido o acesso ao crédito rural, a partir do momento em que o Governo Federal considerou a cultura como política e socialmente incorreta.

Tabela 3. Indicadores econômicos de mandioca consorciada com tabaco, em cultivo sobre leiras, no sistema de parcagem como fertilização do solo em Tracuateua, Pará.

Pode-se concluir que o desconhecimento e as limitadas condições de acesso a informação, faz com que os agricultores familiares não manejem os recursos naturais que lhes são disponíveis como é o caso do esterco de curral. A aplicação da parcagem como método agroecológico de reposição da fertilidade do solo constitue-se em uma alternativa sustentável de produção de alimentos e geração de renda que merece ser difundida e reproduzida.

Algumas interferências devem ser feitas no sistema para aperfeiçoá-lo a fim de elevar a produtividade da culturada mandioca, tais como: seleção de manivas-semente, seleção de cultivares mais produtivas, uniformização da população de plantas por unidade de área, definição do número de animais por área e do tempo de pernoites em função da dose recomendável de esterco por área e introdução de uma cultura para o período mais chuvoso.

Este processo pode ser difundido aos agricultores de assentamentos rurais que disponham de bovinos na propriedade.

Referências

ALVES, R. N. B.; HOMMA, A. K. O.; LOPES, O. M. N. O método de parcagem como alternativa agroecológica para a integração agricultura/pecuária da produção familiar do Sudeste Paraense. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2005. (Embrapa Amazônia Oriental. Documento, 220). Disponível em http://www.cpatu.embrapa.br/publicacoes_online/documentos-1/2005/o-metodo-de-parcagem-como-alternativa-agroecologica-para-a-integracao-agricultura-pecuaria-da-producao-familiar-do-sudeste-paraense. Acesso em 09 de dez/2011.
ALVES, R. N. B.; MODESTO JÚNIOR, M. S. Parcagem: sustentabilidade agroecológica praticada pelos mandiocultores de Tracuatéua-Pará. Anais: XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE MANDIOCA. Maceió, AL, CERAT/NESP, 16 a 19 de novembro, 2011
COSTA, M.B.B. (coord.). Adubação orgânica: nova síntese e novo caminho para Agricultura. Ícone Editora. São Paulo, 1986. 104p.
GOMES, C.J. de; CARVALHO, P. C. L. de; CARVALHO, F. L. C.; RODRIGUES, E. M. Adubação orgânica na recuperação de solos de baixa fertilidade com o cultivo da mandioca. Revista Brasileira de Mandioca, Cruz das Almas, v.2, n.2, p.63-76, 1983.
HOWELER, R. H. Cassava mineral nutrition and fertilization. Bankok: CIAT Regional Office in Asia, 2002. P. 115-147.
MODESTO JÚNIOR, M. de S.; ALVES, R.N.B.; SILVA, E. S. A. Produtividade de mandioca cultivada por agricultores familiares na região dos lagos, município de Tracuateua, Estado do Pará. Belém: Amazônia: Ciência e Desenvolvimento, v 6, n. 12, jan./jun. 2011. Disponível em: http://www.basa.com.br/bancoamazonia2/Revista/edicao_12/n12_produtividade_mandioca.pdf Acesso em 05 de jan/2012.
PENTEADO, A. R. Problemas de colonização e de uso da terra na região Bragantina do Estado do Pará. Belém, Universidade Federal do Pará, 1967. (Coleção Amazônica. Série José Veríssimo). v. 1; v. 2.
POWELL, J.M., FERNÁNDEZ-RIVERA, S., HÖFS, S. Effects of sheep diet on nutrient cycling in mixed farming systems of semi-arid West Africa. Agriculture, Ecosystems and Environment, n.85, p.862-866, 1994.
RUSSELLE, M.P. Nitrogen cycling in pasture and range. J. Prod. Agri., n.5, p.13-23, 1992
SOMDA, Z.C., POWELL, J.M., BATIONO, A. Soil pH and nitrogen changes following cattle and sheep urine deposition. Commun Soil Sci. Plant Anal., n.28, p.1253-1268,1997
STILWELL, M.A., WOODMANSEE, R.G. Chemical transformation of urea-nitrogen and movement of nitrogen in a shortgrass prairie soil. Soil Sci. Soc. Am. J., n.45, p.893-898,1981.
SILVEIRA, I. M. da. Quatipuru: agricultores, pescadores e coletores em uma vila amazônica. Belém, Museu Paraense Emílio Goeldi, 1979. 82p. ilust. (Publ. Avulsa, 34).

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Simone Pereira
08/02/2012 15:13:30
Muito bom o artigo. O uso do esterco do curral como fertilizante traz vßrios benefÝcios, nÒo s¾ para o solo, plantaþ§es, como tambÚm para o meio ambiente jß que a reduþÒo dos fertilizantes (nitrato e fosfato) contribui para a reduþÒo da eutrofizaþÒo dos corpos hÝdricos do planeta. ParabÚns pela iniciativa aos autores

Henrique Do Nascimento Marques
12/02/2021 10:24:43
Parabéns! Gostei muito das informações e dos relatos apresentados. Curso Agronomia e sou natural de Tracuateua-PA. Estava estudando sobre a cultura da mandioca e vi o termo Parcagem. Aí fiquei curioso e resolvi pesquisar mais sobre ele. Confesso que não conhecia o termo, porém já vi muitos produtores adotarem essa prática na região dos campos naturais de Tracuateua.

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